quarta-feira, 18 de agosto de 2010

A força das palavras...

"A fotografia por si só não me interessa (...) mas a reportagem sim, a comunicação entre o mundo e o Homem com este instrumento maravilhoso do tamanho da mão que nos faz passar despercebidos. E assim participamos. É uma dança. Entende? É uma grande alegria fotografar assim."

(Henri Cartier-Bresson)


Qualquer ideia que te agrade, por isso mesmo... é tua. O autor nada mais fez que vestir a verdade que dentro em ti se achava inteiramente nua...

(Mário Quintana)


Veja se eu sou esta
que fala dentro de você.
Eu não posso escrever
porque não sou poeta:
sou a poesia!
Tente agora fazer um verso.
Se eu fosse você, faria.

(Elisa Lucinda)



O Menino - composição: (Luiz Tatit)


de tanto preparar
parou
de tanto se inspirar
pirou
de tanto ouvir falar sobre
um futuro que virá
virou-se todo pro passado
a esperar

toda vez que ele lembrava
de seus dias de menino
era lindo era lindo
ele achava que com o tempo
tudo vinha vindo, ia indo
vindo, indo, indo, vindo
agora ele cresceu
nada disso aconteceu
virou um programa de índio

agora ele procura
um outro meio
agora em vez de lindo
ele acha feio
agora ele já está
de saco cheio
e só podia estar mesmo
ele não ficou lá
esperando um tempão
não ficou?

de tanto vigorar
gorou
esperando godard
godot
e a gente a esperar
que esse menino progredisse
que tolice!
quem disse isso?
quem que disse?

toda vez que eu viajava
pela estrada de ouro fino
levantava uma poeira
o menino na porteira
sua figura tão ligeira
verdadeira flecha
abre, fecha
abre, fecha, abre, fecha

agora ele cresceu
está bem maior que eu
inda está lá e não se queixa
agora ele não quer
mais essa pecha
agora ele só abre
e nunca fecha
agora ele aproveita
toda brecha
e tem mais que aproveitar mesmo
ele não ficou lá
esperando um tempão?
não ficou?

se o mundo vai e vem
melhor
depois de jorge ben
benjor
depois de botar ritmo
ora ver como é que fica
fica fria áfrica
áfrica, fica fria!

toda vez que se ligava
na cadêcia da folia
a batida se expandia
esquentava noite e dia
e ele só dizia:
fica fria!
quatro, três, dois, um
um ritmo daquele
era mais forte que ele
se tornou pura mania
(quem diria, esse menino...)

até que alguém chegou
e deu um toque
até que ele entendeu
que era o rock
até que ele sentiu
que estava em choque
e só podia estar mesmo
ele não ficou lá
esperando um tempão?
não ficou?


foto: o. guisoni

domingo, 8 de agosto de 2010



“Há muito tempo sim, não te escrevo.
Ficaram velhas todas as notícias.
Eu mesmo envelheci: olha, em relevo,
estes sinais em mim, não das carícias

( tão leves ) que fazias no meu rosto:
são golpes, são espinhos, são lembranças
da vida a teu menino, que a sol-posto
perde a sabedoria das crianças.

A falta que me fazes não é tanto
à hora de dormir, quando dizias
“Deus te abençoe”, e a noite abria em sonho.

É quando, ao despertar, revejo a um canto
a noite acumulada de meus dias,
e sinto que estou vivo, e que não sonho.”

carta, Carlos Drummond de Andrade



foto: o. guisoni

terça-feira, 27 de julho de 2010



A menina Transparente

Eu apareço disfarçada de todas as coisas...
Posso ser vista no pôr-do-sol ou no nascer dele.
Eu posso estar através da janela,
posso ser vista na asa da gaivota
ou pelo ar que passa por ela.

Muitos me vêem no mar,
outros na comida da panela.
Posso aparecer para qualquer ser,
desde ele pequenininho;
se tratar de mim como eu merecer.

Uns me pegam pra criar em livro,
outros me botam num vestido lindo,
cheio de notas musicais:
fico morando dentro da música.

Tenho muitas mães e digo mais:
sou uma criança com muitos pais.
Tem gente que diz que eu
nasço dentro da pessoa,
e faço ela olhar diferente,
pra tudo que todos olham,
mas não notam.

Às vezes apareço tão transparente e
de mansinho
que mais pareço um Gasparzinho.
Tem gente que nunca percebe que estou ali,
não cuidam de mim,
não me exercita.
Eu fico com um laço de fita
que nunca teve um rabo de cavalo dentro.
Eu fico como uma planta de dentro de casa
que ninguém molha, conversa nem nada.

Quem me adivinha logo dentro dele,
quem percebe que estou ali diariamente,
quem anda comigo e com meu gingado,
fica com o coração inteligente
e com o pensamento emocionado.

A esse que eu dou a mão,
eu vou com esse pra todo lado:
aniversários, passeios, sono, cama, biblioteca,
casa, escola;
estou com esse a toda hora.

Tem gente que me vê muito na beleza da flor,
no mato, na primavera e no calor.
É que eu ando muito mesmo.

Eu posso até voar!
Por isso que me vêem no céu, nas estrelas, nos planetas
e nas conversas das crianças.
Quem anda comigo tem muita esperança.

Todo mundo que me tem
pode me usar e me espalhar por aí.
Quem gosta muito de mim,
depois que me conhece,
junta gente em volta como se eu fosse uma festa.
Me usam até em palestras!
Me acordam lá do papel.

Ih! Eu tinha me esquecido de dizer
que, quando a pessoa começa a me
escrever,
eu fico morando no papel.
Toda vez que a pessoa me lê para dentro
eu passo para dentro dele.
Toda vez que alguém me lê para fora, em voz alta,
como se eu fosse uma música,
eu passo pata dentro de todo mundo que me vê;
eu posso trazer alento a todo mundo que me escuta.

Tem gente que me pega só numa fase,
como se eu fosse uma gripe boa,
e como se dessa boa gripe ficasse gripada.
Quero dizer...
eu dou muito no coração de gente apaixonada.

Minha palavra é do sexo feminino,
brinco com menino e com menina,
fico com a pessoa até ela ficar
velhinha,
inclusive de bengala;
e depois que ela morre,
faço ela ficar viva
toda vez que por mim é lembrada.

Às vezes eu sou sapeca,
às vezes eu sou quieta,
mas todo mundo que olha através de mim
é poeta.

Veja se eu sou esta
que fala dentro de você.
Eu não posso escrever
porque não sou poeta:
sou a poesia!
Tente agora fazer um verso.
Se eu fosse você, faria.

(Elisa Lucinda)

do livro:Palavras de encantamento


foto: o. guisoni


domingo, 25 de julho de 2010

...




Desejo permanecer,
Mas há um vão pelo qual escorro,
Uma ampulheta colocada fora do pedestal
E bem longe do altar
E que me arrasta,
Em fragmentos,
Lenta e suavemente,
Para o
Sempre.

O tempo não me melhora: corroi-me.

Enxergo menos nítido
E ando com menos pressa,
E aonde eu vou
Eu chego e já é passado.

O tempo não me refina: estorva-me e me torna um chato.

Confio menos na palavras
E na bondade eu creio com desconfiança.

Produto inacabado,
No ângulo do esquadro
Eu não me enquadro por inteiro.

Eu, efeito de sua perecibilidade,
Jamais vencerei a batalha dos
Imortais.

(Eliseu Galvão)

foto: o. guisoni

segunda-feira, 19 de julho de 2010




Pensei seduzir você com algo bem provocante
Gingando num bambolê me equilirando em barbante
Dançando numa tv coberto com diamantes
Num carrão zero, por que que eu não pensei nisso antes

Pensei seduzir você daquele instante em diante
Além de fazer crochê pensei dar vôo rasante
Ir ao cinema, escrever, reinar nesse caos reinante
Impressionante, por que que eu não pensei nisso antes

Pensei seduzir você fazendo ar de importante
Te oferecendo um ap, um drinque, um refrigerante
Testando hiv, consultando cartomante
Só sobre a gente, por que que eu não pensei nisso antes

Pensei seduzir você domesticando elefantes
Cuidando bem de bebês, kim, kaue, joy, doando-me pra transplantes
Eu mesmo ser meu dublê, meu próprio representante
Por cargas d'água, por que que eu não pensei nisso antes

Pensei seduzir você mostrando-me confiante
Plantando um pé de ipê, ecólogo ambulante
Limpando o rio tietê e outros rios restantes
Ser carioca e baiano, por que que eu não pensei nisso antes

Pensei seduzir você mudando-me qual mutante
De alguma estrela trazer um raciocínio brilhante
Bater no peito e dizer, num brado bem retumbante
Só penso em você, por que que eu não pensei nisso antes
Por quoi je ne pas pense a çá avant

composição:Itamar Assumpção


foto: o. guisoni

domingo, 18 de julho de 2010





Minhas férias, pula uma linha, parágrafo.

Um

O primeiro dia de aula é o que eu mais gosto em segundo lugar. O que eu mais gosto em primeiro lugar é o último, porque no dia seguinte chegam as férias. Os dois são os melhores dias na escola porque a gente nem tem aula. no primeiro dia não dá para ter aula porque o nosso corpo está na escola, mas a nossa cabeça ainda está nas férias. Era o primeiro dia e era para ser a aula de português mas não era porque todo mundo estava contando das férias. E como todo mundo queria contar mais do que ouvir, o barulho na classe estava mesmo ensurdecedor. O que explica o fato de ninguém ter escutado a professora gritando para a gente parar de gritar. Todo mundo estava bem surdo mesmo. Mas quando ela bateu com os livros em cima da mesa a nossa surdez passou e todo mundo olhou para ela. Ela estava em pé, na frente do quadro negro e ficou em silêncio, com uma cara bem brava, olhando para a gente. Quando um professor está em silêncio com uma cara bem brava olhando para você, é melhor também ficar em silêncio com uma cara de sem graça olhando para um ponto qualquer que não seja a cara brava do professor. A professora puxou a cadeira dela e se sentou. Atrás dela , no quadro negro, eu vi decretado o fim das nossas férias e o fim do nosso primeiro dia de aula sem aula. Estava escrito:

Redação: escrever trinta linhas sobre as férias

Eu sabia que as férias de ninguém iam ser mais as mesmas coisas na hora que virassem redação. É simples: férias é legal, redação é chato. Quando a gente transforma as nossas férias em redação, elas não são mais as nossas férias, são a nossa redação. Perdem toda a graça. Todo mundo tirou o caderno de dentro da mochila. Menos eu. Eu fiquei olhando para aquela frase no quadro enquanto os ziperes e velcros das mochilas eram os únicos barulhos na sala. De repente as nossas férias ficaram silenciosas.Onde já se viu férias sem barulho?E, além do mais, eu tenho certeza de que a professora nem quer saber de verdade como foram as nossas férias. Ela quer só saber como é a nossa letra e se a gente tem jeito pra escrever redação. Aqueles dois meses inteirinhos de despreocupações estavam prestes a virar trinta linhas de preocupações com acentos, vírgulas, parágrafos e ainda por cima com a letra ilegível depois de tanto tempo sem treino.

Dois

A turma inteira já estava escrevendo quando eu percebi que a professora só estava olhando para mim. Quando um professor fica parado só olhando para você é porque você tinha que estar fazendo outra coisa que não era o que você estava fazendo. A outra coisa que eu tinha que estar fazendo era a minha redação. Então eu puxei a minha mochila e peguei o caderno. É claro que a minha mochila tem o fecho de velcro e que todo mundo olhou para mim quando eu abri. Só a professora é que não olhou de novo porque ela já estava olhando mesmo. Peguei a caneta. Eu nem sabia mais segurar direito a caneta. Escrevi:

Minhas Férias

Mas a letra ficou péssima e eu resolvi arrancar a folha para começar bem o meu caderno. E todo mundo olhou de novo pra mim, até a professora que já tinha parado de me olhar. Troquei a caneta por um lápis, porque se a letra ficasse horrível era só apagar em vez de ter que arrancar outra folha.Coloquei as minhas férias lá no alto e bem no meio da página. Pulei uma linha. Parágrafo.

Minhas Férias

Outro problema de transformar as nossas férias em redação e fazer os dois meses caberem nas tais trinta linhas. Porque se a gente fosse contar tudo o que aconteceu, as trinta linhas iam servir só para um dia de férias e olhe lá. E aí você olha para o seu relógio e descobre que as trinta linhas, que pareciam poucas para contar todas as suas férias, viram muitas porque você só tem 15 minutos de aula para fazer a redação.Começar as férias é a coisa mais fácil do mundo. Em compensação, começar uma redação sobre as férias é tão difícil quanto começar as aulas. Fiquei me lembrando como é que eu tinha começado as minhas férias de verdade. Assim eu podia começar a redação do mesmo jeito. Mas eu comecei as minhas férias de verdade arrumando a mala para ir para a casa do meu avô. E agora só faltavam 12 minutos para terminar a aula. E em 12 minutos eu não ia conseguir arrumar a mala. Pelo menos não do jeito que a minha mãe gosta que eu arrume. Então decidi começar as férias da minha redação direto da casa do meu avô.

Minhas Férias

Eu sempre adoro as minhas férias na casa do meu avô. Principalmente porque não tem aula.

Não. Talvez esse seja um começo de redação muito pesado para o começo das aulas. Apaguei a segunda frase.

Minhas Férias

Eu sempre adoro as minhas férias na casa do meu avô.Lá tem um campinho de futebol bem legal e uma turma de amigos bem grande. Isso é perfeito porque um campinho sem uma turma grande não serve para nada. E uma turma grande sem campinho não cabe em lugar nenhum que não seja um campinho. A gente passa o dia todo jogando futebol e só para de jogar quando já está escuro e não dá mais para ver a bola. Então já é hora de jantar. Depois do jantar, os melhores amigos da turma vão para casa do meu avô e a gente pode continuar jogando, só que futebol de botão que não dá indigestão. Ai, a gente pode jogar até tarde porque no dia seguinte não tem aula. É por isso que férias é bom.

Achei que desse jeito a minha observação a respeito das aulas ficava mais sutil. Continuei.

Teve um dia que eu fiz um golaço. Não no futebol de botão, no de verdade. O gol veio de um pase de craque do Paulinho que é o meu melhor amigo entre os meus melhores amigos da turma. Você sabe que para jogar futebol não adianta só ser bom de bola. Tem que ter tatica. O Paulinho driblou um, dois e eu vi que ele ia passar pelo terceiro. Ele também me viu. Aí eu me enfiei pela esquerda e recebi a bola. Chutei direto. Eu fiz um golaço tão grande que até furou a rede e estilhaçou em mil pedaços a janela do vizinho. Deu a maior confusão porque enquanto a turma pulava o vizinho apareceu bravo com abola em baixo do braço e a mulher dele veio atrás. Eu tive até que parar com a minha comemorassão. Mas a mulher do vizinho que veio atrás dele falou para ele que criança é assim mesmo e que a gente estava só se divertindo e que ninguém fez aquilo de propósito. E era verdade mesmo porque a culpa não foi nossa da rede ter furado. E aí acabou ficando tudo bem. O meu vizinho devolveu a bola, verificou a rede e disse que o meu gol foi mesmo um golaço mas que era para a gente tomar mais cuidado com as janelas das casas ao lado.

O sinal tocou bem nessa hora. Eu nem contei quantas linhas eu tinha escrito porque não ia dar tempo de mudar nada mesmo. Arranquei a folha e dei as minhas férias para a professora.

Três

Depois da aula de português vinha a aula de educação física. A maior sorte que se pode ter num primeiro dia de aula é ter aula dupla de educação física. Dá até para ficar contente de ter voltado para a escola. E dá até para acreditar quando a nossa mãe fala que essa é a melhor época da nossa vida, quando ela faz aquele discurso que toda mãe faz.

Discurso:

"Aproveita, meu filho. Essa é a melhor época da sua vida. Ir para a escola é uma delícia. Quando você crescer você vai se lembrar da escola e vai sentir uma saudade danada."

Minha mãe diz que é para aproveitar a escola porque depois que a gente cresce a gente fica cheio de problemas para resolver. Aí que está. Eu ainda nem cresci e já estou cheio de problemas. Só no ano passado eu tive que resolver 187. E não foi nem para mim. Foi para o professor de matemática.

Quarto

A semana passou bem rápido e quando a gente viu já era sexta-feira. Ter chegado a sexta-feira era ótimo. Agora só faltavam mais dezenove semanas para as próximas férias. A única coisa ruim é que na sexta eu tinha aula dupla de português e a professora ia trazer as nossas redações de volta.Quando a professora entrou na sala eu tinha acabado de puxar o elástico do sutiã da Mariana Guedes. Agora a moda das meninas era usar sutiã por baixo da camiseta. E a nossa moda era puxar o elástico para o sutiã estalar bem nas costas delas. Eu corri e a Mariana Guedes me jogou uma borracha bem na cara. Mas a professora foi olhar para a gente só na hora que eu joguei a borracha de volta. E aquela Mariana Guedes ainda abaixou e a borracha passou bem perto dos óculos da professora.A professora ficou só me olhando de novo, igual no dia da redação, e então eu me sentei esperando uma daquelas broncas humilhantes no meio da classe. Mas a professora não falou nada.Quando você apronta uma dessas e o professor não fala nada, não é porque o professor é um cara bem legal. É que o que vem pela frente é pior do que o pior que você imaginava.O pior foi colocado em cima da minha mesa. As minhas férias, que tinham sidas perfeitas para mim, não chegaram nem perto de terem sido boas para a professora. Elas voltarm cheias de defeito. Faltou um esse no passe de craque do Paulinho, um acento na minha tática e a minha comemoração eu escrevi com tanta empolgação que acabou saindo com dois esses em vez de cê-cedilha. E o pior do que eu imaginava foi o que ela fez com o meu golaço que estilhaçou em mil pedaços a janela do vizinho. Ela disse que "em mil pedaços" é adjunto adverbial e que tinha que ficar entre vírgulas.Eu olhei a gramática e lá estava explicado que um adjunto adverbial é um termo acessório e a gente pode eliminar aquela parte da frase que ela continua a fazer sentido. Eu queria ver a professora dizendo para o meu vizinho que aqueles mil pedacinhos de janela eram só adjunto adverbial.E tem mais uma coisa: eu estava de férias. Era muito mais importante marcar o gol do que as vírgulas, concorda?
E minhas férias ficaram assim:

Minhas Férias

Eu sempre adoro as minhas féria na casa do meu avô.
Lá tem um campinho de futebol bem (muito) legal e uma turma de amigos (bem) grande.
(por que não substituir um bem por um muito?)
Isso é perfeito porque um campinho sem uma turma grande não serve para nada. E uma turma grande sem campinho não cabe em lugar nenhum que não seja um campinho. A gente passa o dia todo jogando e só para quando já está escuro e não dá mais pra ver a bola (não se consegue mais). Então já é hora de jantar.
Depois do jantar, os meus melhores amigosda turma vão para a casa do meu avô e a gente pode continuar jogando, só que futebol de botão que não dá indigestão. Aí, a gente pode jogar até tarde porque no dia seguinte não tem aula. É por isso que férias é bom (as férias são boas*).
(Teve um dia que) Um dia eu fiz um golaço*. Não no futebol de botão, no de verdade.
O gol veio de um pase (passe*) de craque do Paulinho que é o meu melhor amigo (entre os meus melhores amigos) da turma. Você sabe que para jogar futebol não adianta só ser bom de bola. Tem que ter tatica (tática*).
O Paulinho driblou um, dois e eu vi que ele ia passar pelo terceiro. Ele também me viu. (Aí, eu)Eu* me enfiei pela esquerda e recebi a bola. Chutei direto. Eu fiz um golaço tão grande que até furou a rede e estilhaçou (,*) em mil pedaços (adjunto adverbial ,*) a janela do vizinho.
Deu a maior confusão porque enquanto a turma pulava o vizinho apareceu bravo com abola (a bola*) em_baixo do braço e mulher dele veio atrás. Eu tive até que parar com a minha comemorassão (ç*). Mas a mulher do vizinho que veio atrás dele falou (para ele) que criança é assim mesmo (e) que a gente estava só se divertindo e que ninguém fez de propósito. (E) era verdade mesmo porque a culpa não foi nossa da rede ter furado. (E) aí acabou ficando tudo bem. O meu vizinho devolveu a bola, verificou a rede e disse que meu gol foi mesmo um golaço mas que era pra gente tomar mais cuidado com as janelas das casas ao lado.

A professora não fez nenhum outro comentário sobre o que eu tinha escrito. Para ela tanto fazia se o meu gol tinha sido um golaço ou um frango do goleiro. Eu fiquei bem chateado. Ela tinha acabado com as minhas férias. Isso significava que era a terceira vez que as minhas férias acabavam numa semana só. Não podia existir nada pior do que isso na vida de um garoto de 11 anos. Mas existia.

Cinco

No final da aula a professora me chamou na mesa dela. Eu tinha que trazer de lição para segunda-feira a análise sintática da frase: "Eu fiz um golaço tão grande que até furou a rede e estilhaçou, em mil pedaços, a janela do vizinho". Era o fim. as minhas férias já tinham virado redação e agora acabavam de virar lição de casa. E uma lição dificílima. Fazer análise sintática! Eu nem me lembrava mais o que era isso. Do jeito que as coisas vão, quando chegarem as minhas próximas férias eu não vou saber se é para ficar feliz ou triste. Eu vou falar " ah, não, férias me lembram redação e lição de casa" e ninguém vai entender nada. Então eu pensei que aninda bem que amanhã é sábado. Eu já comecei a me lembrar que a turma do prédio tinha marcado pólo aquático na piscina. Peguei a minha mochila e saí correndo para não perder o ônibus para casa. Não me lembro se a professora continuou na sala ou não. Eu só me lembro que eu fui o último a sair.

Seis

O fim de semana me fez esquecer da escola e da primeira semana de aula, o que foi bom. O único detalhe foi que eu também acabei esquecendo da lição de português. E na segunda de manhã eu tive que fazer tudo correndo quando cheguei na escola, antes de tocar o sinal. Análise sintática já é uma coisa bem complicada quando você tem que fazer o exercício logo depois que a professora acabou de explicar como se faz. Imagina fazer depois das férias de verão quando você mudou da quinta para a sexta série mas nem se lembra como é que passou de ano. Eu peguei o meu caderno e escrevi a minha frase.

Eu fiz um golaço tão grande que até furou a rede e estilhaçou, em mil pedaços, a janela do vizinho.

Depois eu fui escrevendo o que eu me lembrava que tinha que ter numa análise sintática.
Sujeito:

predicado:

objeto direto:

objeto indireto:

partícula apassivadora:

Isso era tudo o que eu me lembrava. Então eu comecei a escrever do lado de cada coisa dessas uma análise sintática. Pus lá:

sujeito: O meu vizinho. Que é realmente um sujeito de meter medo apesar de eu achar que ele deve ser legal porque está casado há um tempão com a mulher dele que é bem legal.

predicado: O meu vizinho de novo. Isso, se a gente colocar no meio dessa palavra a sílaba JU e então a palavra vira prejudicado porque ele foi mesmo o grande prejudicado dessa história.

objeto direto: A bola. Nem precisa explicar por quê.

objeto indireto: Eu. Porque a janela quebrou em mil pedaços por causa do meu chute mas na verdade foi culpa da rede que furou.


partícula passivadora: Essa era a mulher do meu vizinho que apassivou a briga e se você reparar como ela é pequena eu acho que partícula é o que ela é.


Pronto. Acabei a lição e o sinal nem tinha tocado ainda. Fechei o meu caderno. Depois eu abri de novo. Lembrei mais uma coisa que tinha na análise sintática e escrevi:


adjunto adverbial: em mil pedaços


No final da aula de português eu deixei a minha lição na mesa da professora e fui para a minha aula dupla de educação física.


Sete


Na minha aula dupla de português da sexta-feira, a profesora me entregou a análise sintática. Eu tirei zero e tive que escrever toda essa história contando tudo isso que aconteceu para você. Ela me disse que você é que ia decidir o que fazer comigo, porque você é que é o Diretor dessa escola e ela não sabia que atitude tomar. Foi isso.


Assinado:

Guilherme Pontes Pereira

6ª série B - Manhã


No dia seguinte o Diretor me chamou na sala dele. Ele já tinha lido toda a história que eu escrevi e eu já estava pensando no que ia dizer para os meus pais quando ele me expulsasse da escola. Eu ia dizer:
- Mãe, pai, fui expulso da escola.
Eu entrei na sala do Diretor e me sentei na cadeira bem na frente dele. Quer dizer, na frente mais ou menos, porque era uma daquelas cadeironas que a gente afunda dentro, então o porta-lápis, que ficava na mesa do diretor, tapava a cara até o nariz. Mas ele chegou o porta-lápis para o lado e eu consegui olhar ele bem de frente. Ele disse:
- Guilherme, eu fiquei muito impressionado com a história que você escreveu. Você precisa fazer mais redações.
Então ele me mandou de volta para a sala de aula.
Eu fiquei pensando muito nisso tudo porque no começo eu não estava entendendo nada. Mas depois eu descobri por que escolheram aquele cara para ser Diretor. Ele é bem inteligente. Fazer mais redações era mesmo um castigo muito pior do que ser expulso da escola.


(Cristiane Gabriel)
do livro: histórinhas pescadas

quarta-feira, 14 de julho de 2010



A incapacidade de ser verdadeiro


Paulo tinha fama de mentiroso. Um dia chegou em casa dizendo que vira no campo dois dragões-da-independência* cuspindo fogo e lendo fotonovelas.
A mãe botou-o de castigo, mas na semana seguinte ele veio contando que caíra no pátio da escola um pedaço de lua, todo cheio de buraquinhos, feito queijo, e ele provou e tinha gosto de queijo. Desta vez Paulo não só ficou sem sobremesa como foi proibido de jogar futebol durante quinze dias.
Quando o menino voltou falando que todas as borboletas da Terra passaram pela chácara de Siá Elpídia e queriam formar um tapete voador para transportá-lo ao sétimo céu, a mãe decidiu levá-lo ao médico. Após o exame, o Dr Epaminondas abanou a cabeça:
- Não há nada a fazer, Dona Coló. Este menino é mesmo um caso de poesia.

(Carlos Drummond de Andrade)

foto: o. guisoni

terça-feira, 13 de julho de 2010

Rock


Boatos e rumores sempre foram um atrativo para que as pessoas se interessem pelas celebridades. O mundo do rock, entretanto, possui histórias que ultrapassam essa barreira e se misturam de tal maneira com a vida real que formam verdadeiros mitos e lendas que fascinam os fãs e também os interessados pelo assunto.
No mais de 50 anos desde sua aparição, o Rock já foi chamado de tudo: de corruptor de menores a propagador de mensagens do demônio, de hipnotizador de massa a veículo para estranhas mensagens sublinares. Mas, o fascínio que certos nomes exercem nas pessoas hoje em dia, mesmo depois de anos de suas mortes, faz com que os conspirólogos(nome dado aos supostos estudiosos de teorias da conspiração) teçam tramas dignas de constarem e filmes e livros.
De fato, muitas dessas tramas, que os historiadores chamam de mitos e/ou lendas, foram adaptadas pelo cinema e fizeram sucesso. Se são ou não verdades históricas, é algo completamente diferente.
E isso é levado mais adiante do que possa imaginar. Se duvida, basta dar uma olhada em qualquer mecanismo de busca da Internet ou procurar os livros importados que são vendidos em lojas virtuais. Sociedades secretas, que se dedicam a provar que Elvis Presley ou Curt Cobain não morreram, misturam-se com cientistas forenses e investigadores particulares que querem lançar suas próprias versões sobre "verdadeira história" de tais mortos.
Ao mesmo tempo, os fãs conseguem gostar de tais histórias a ponto de leva-las tão a sério quanto uma notícia de jornal. Que o digam Paul MacCartney, Lou Reed e Jim Morrinson. Embora os dois primeiros estejam vivos, muitos afirmam que não passam de dois sósias para enganar o público. E o terceiro, que está morto, é tido como vivo em vários lugares deste planeta.
Alguns boatos surgiram na Internet e teimam em permanecer apesar de já terem sido desmentidos. John Lennon nunca fez um pacto com o demônio. Marilyn Manson não é o ator que fez Paul Pfeiffer em Anos Incríveis, Gene Simmons nunca implantou uma língua de vaca na sua própria boca, David Bowie e Mick Jagger de fato dormiram na mesma cama, mas nunca admitiram ter um caso, testemunhas admitem que Robert Johnson agia de modo estranho pouco antes de sua morte e que temia algo que não dava prara exprimir.
Porém, os fãs continuam a ouvir esses mitos, que soam tão excêntricos quanto uma boa história de fantasmas. Portanto, acomode-se e divirta-se com estas conspirações.

do livro, Segredos e lendas do rock


(Sergio Pereira Couto)



na foto: Robert Plant
fonte da imagem: internet

terça-feira, 6 de julho de 2010


''Algum tempo atrás, talvez uns dias, eu era uma moça caminhando por um mundo de cores, com formas claras e tangíveis. Tudo era misterioso e havia algo oculto; adivinhar-lhe a natureza era um jogo para mim. Se você soubesse como é terrível obter o conhecimento de repente - como um relâmpago iluminado a Terra! Agora, vivo num planeta dolorido, transparente como gelo. É como se houvesse aprendido tudo de uma vez, numa questão de segundos. Minhas amigas e colegas tornaram-se mulheres lentamente. Eu envelheci em instantes e agora tudo está embotado e plano. Sei que não há nada escondido; se houvesse, eu veria.''

(Frida Kahlo)

Nascimento: 6 de julho de 1907
Coyoacán, México

Morte: 13 de julho de 1954 (47 anos)
Coyoacán, México

Nacionalidade: Mexicana

Ocupação: Pintora

Movimento estético :Surrealismo


fonte da imagem: internet